Lideranças do setor produtivo alertaram o ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, que as regras previstas na resolução do Conselho Monetário Nacional (CMN) 5.247/2025, com critérios para enquadramento para renegociação de dívidas rurais, vão deixar diversos municípios afetados por extremos climáticos de fora da medida.
No caso de Mato Grosso do Sul, cerca de 90% dos municípios não se enquadram, pois não têm dois decretos de calamidade pública ou situação de emergência publicados e reconhecidos pelo governo federal entre 2020 e 2025, mas mesmo assim tiveram a produção agrícola afetada pelo clima no período.
Uma fonte afirmou que houve entendimento entre prefeitos das cidades sul-mato-grossenses e o governo estadual para que não fossem publicados tais decretos em alguns anos como forma de manter benefícios fiscais e creditícios. Sem a publicação e o reconhecimento do Ministério do Desenvolvimento Regional, no entanto, o acesso aos R$ 12 bilhões que o Tesouro Nacional vai liberar para renegociar dívidas com juros controlados será limitado. Consultadas, a Secretaria de Agricultura de Mato Grosso do Sul e a Federação da Agricultura e Pecuária do Estado ainda não responderam.
Nesta quarta-feira (24/9), o setor produtivo do Paraná criticou a medida e disse que a renegociação só alcançará 32% dos municípios. No Rio Grande do Sul o percentual é maior, de quase 80%. Serão 403 dos 497 municípios atendidos. Em todo o país, serão 1.363 municípios. O Ministério da Agricultura vai divulgar a lista detalhada em breve. A renegociação foi autorizada pela Medida Provisória 1.314/2025.
De acordo com fontes a par do assunto, o ministro demonstrou surpresa com a situação, mas considera difícil rever a regra. O alerta a ele foi de que a "gritaria" vai continuar no campo. O pedido foi para que o governo repense as regras para conseguir enquadrar mais municípios.
Nessa quarta-feira, durante audiência pública na Comissão de Agricultura da Câmara com a presença do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, o deputado Alceu Moreira (MDB-RS) ressaltou que a necessidade de recursos apenas no Rio Grande do Sul é de R$ 30 bilhões. Os municípios contemplados no Estado são 29% do total.
"Se estamos precisando de R$ 30 bilhões só para reabilitar quem não tem mais condição creditícia, 29% de R$ 12 bilhões é menos de R$ 4 bilhões. Como esse produtor vai se viabilizar? Ele não consegue pegar esse dinheiro", disse na audiência.
Juros livres
Por outro lado, o ministro Carlos Fávaro garantiu que as linhas com juros livres nos bancos para renegociação de dívidas terão taxas próximas da Selic, "não tão salgadas" quanto se imaginava no setor. Ele destacou, em reunião nesta quinta-feira (25/9), que nessa modalidade não haverá as limitações de enquadramento impostas pelo CMN para financiamento do passivo dos produtores com os recursos públicos. Os valores do Tesouro serão emprestados para repactuar débitos com até nove anos de prazo com alíquotas de 6% para pequenos produtores, 8% para médios e 10% para grandes.
Fávaro não adiantou ao setor qual será a taxa livre cobrada nos bancos públicos, como o Banco do Brasil, mas disse que os produtores conseguirão fazer a renegociação com juros "um pouco melhores" e em linha com o que seria cobrado no mercado ou em tradings.
"Uma das nossas maiores preocupações era em relação à renegociação a juros livres, já que a MP 1.314 trata justamente da renegociação de dívidas. O ministro nos tranquilizou ao afirmar que as instituições financeiras não irão aplicar juros impraticáveis, garantindo condições que caibam no bolso do produtor", disse, em nota, o diretor de Relações Governamentais da Associação dos Criadores de Zebu (ABCZ), Romildo Machadinho, que participou da reunião com Fávaro.
Na avaliação de fontes, os bancos vão oferecer um mix para os produtores, para tentar atendê-los com recursos públicos até o limite estipulado pelo CMN, de R$ 250 mil para pequenos, R$ 1,5 milhão para médios e R$ 3 milhões para grandes produtores, e renegociar eventuais valores a mais a juros livres. A ideia é que, na média geral, a taxa fique um pouco menor para a dívida inteira.
No Congresso Nacional, parlamentares ligados ao agro se articulam para que seja instalada a Comissão Mista responsável por analisar a MP 1.314. O senador Luis Carlos Heinze (PP-RS) cobrou o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP) nos últimos dias. A expectativa é que a instalação do colegiado ocorra na próxima semana. Um senador deverá ser o presidente da comissão e um deputado, o relator. Foram apresentadas 105 emendas ao texto.
Para a renegociação das dívidas começar de fato ainda falta a publicação da circular do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), que vai repassar os R$ 12 bilhões para serem emprestados por outros agentes na ponta.
A norma precisa ser aprovada internamente com as regras operacionais da linha e a data de abertura de protocolo para repasse dos recursos às instituições financeiras credenciadas. A expectativa é que a circular seja publicada na próxima semana. Consultado, o BNDES não respondeu.