Uma pesquisa inédita e milionária pode revolucionar a qualidade da carne nelore, a maior raça de bovinos no País. A ferramenta tecnológica para isso? O sequenciamento genético, onde foram encontrados os genes relacionados ao marmoreio. Essa é a gordura que fica no meio da carne (gordura intramuscular) e que responde pela maciez e suculência dos cortes.
Agora, o próximo passo é reproduzir animais que transmitem esta característica aos seus descendentes, que deve acontecer a partir do segundo semestre de 2026.
Se antes a qualidade do marmoreio da carne estava apenas reservada a animais como o britânico angus ou mesmo o japonês wagyu, imagine levar um rebanho estimado em 190,5 milhões de animais a este mesmo patamar. Este é o número de bovinos nelore e anelorados (com um grau de sangue de nelore) no País e que são estimados em 80% do rebanho brasileiro, que chega a 238,2 milhões de bovinos, segundo o IBGE, o maior rebanho comercial do mundo.
O estudo identificou bovinos nelore com nível dez de marmoreio. O wagyu, por exemplo, pode chegar ao nível 12, que representa hoje o máximo de gordura intramuscular já detectado num bovino no mundo. O dono da empreitada brasileira tem uma ideia muito peculiar do feito.
“Sou empreendedor, meio maluco, como sempre, e adoro o desafio. Se não houver desafio na minha vida, acho que não sou ninguém”, diz o pecuarista e selecionador de animais nelore puro de origem (PO), Marcelo Baptista de Oliveira, proprietário da Agro Maripá.
Com sede em Jaguariúna (SP) e mais fazendas em Minas e Mato Grosso, a Agro Maripá fatura R$ 30 milhões anuais com a pecuária, contando a venda de animais diretamente nas propriedades e em leilões.
Foi em suas andanças em feiras e exposições técnicas que Oliveira conheceu Carolina Barbosa, cofundadora e CEO da Earth Biome. A empresa é especialista em análise genética de animais de grande porte, do microbioma de solos e de sementes e está ligada ao Grupo Eva, que reúne mais cinco empresas.
os últimos três anos, o Grupo Eva investiu cerca de R$ 70 milhões em tecnologia de pesquisa genética, em diversos campos, como genoma humano, detecção de doenças raras e genoma de pets. Atualmente é um dos maiores laboratórios genômicos da América Latina.
O trabalho atual tem suas raízes desde 2001, quando o movimento de genômica bovina se estrutura com a criação da Rede Genoma da Embrapa. O trabalho se acelera a partir de 2009 com o genoma taurino de referência e entra na prática de melhoramento entre 2011–2012 com as DEPs Genômicas em Nelore.
Em 2012, o país participa do primeiro genoma de Bos indicus (Nelore), sequenciado e montado, consolidando a adaptação tropical das ferramentas. O primeiro sequenciamento genômico no mundo ocorreu em 2009, a partir de um projeto internacional coordenado pelo U.S. Department of Agriculture (USDA), com a participação de centros de pesquisa dos Estados Unidos, Canadá, Austrália e Nova Zelândia. A partir daí, e que se estende desde então, o trabalho da ciência é entender quais genes transmitem determinadas características e em que trecho do gene animal elas se encontram.
União para o melhoramento genético da raça nelore
Há cerca de três meses, a Earth Biome e a Agro Maripá estão nesta cruzada para afinar ainda mais o projeto de melhoramento genético da propriedade, identificando os genes relacionados ao marmoreio.
“Especificamente neste projeto do nelore, estamos investindo R$ 2,5 milhões na pesquisa do marmoreio e também no apuramento geral da raça”, diz Carolina.
Neste trabalho, foi feito o sequenciamento genético de 304 animais (entre machos e fêmeas nelore) e ainda deve contemplar outros 104 animais da raça gir. Todos fazem parte do rebanho de 22 mil animais puros da Agro Maripá.
No estudo, três genes foram identificados e estão diretamente relacionados com o marmoreio. No entanto, existe uma interação entre esses genes e este é o desafio da ciência. Um deles, por exemplo, pode anular o outro, e, por consequência, anula o marmoreio da carne daquele animal.
O cuidado da pesquisa é buscar por animais que não possuam este gene que anula o marmoreio. E é pela tecnologia da Earth Biome, descrita com genética de precisão, que a leitura da cadeia do DNA ocorre.
A empresa está dando um passo além. O sequenciamento de 2012 foi um estudo coordenado pelo professor José Fernando Garcia, da Unesp de Araçatuba (SP), o responsável pela apresentação do primeiro trabalho com o nelore. “Foi utilizada uma tecnologia de ponta para a época, mas não como essa que estamos utilizando agora, que é o NGS (Next Generation Sequencing)”, diz Carolina.
O NGS é capaz de ler sete terabytes em tempo recorde. Isso significa uma capacidade máxima de atingir 30 mil genomas em um ano e 70 mil exames genéticos no mês, sem deixar de fora nenhum dos 2,87 bilhões de pares (os nucleotídeos) que formam a base do DNA do animal, segundo a especialista.
Além disso, a pesquisa da Earth Biome conta com todo o trabalho de 20 anos de informações sobre melhoramento genético da própria Agro Maripá, desenvolvido pelo médico veterinário Luiz Otávio Pereira de Lima, diretor da Agro Maripá.
Fim da era das informações de baixa acurácia
O médico-veterinário Luiz Otávio Pereira de Lima, diretor da Agro Maripá
Lima destaca que este é um grande passo para um trabalho mais certeiro no melhoramento genético. Ele conta que, além de ser associada, a fazenda trabalha com as informações da própria Associação Brasileira de Criadores de Zebu (ABCZ), principal entidade que comanda o registro de bovinos puros, como o nelore e o gir. É da ABCZ o Programa de Melhoramento Genético de Zebuínos (PMGZ), por onde é possível traçar indicadores como as DEPs (diferenças esperadas na progênie).
Essas DEPs correspondem às características que os filhos mais tem potencial de herdar de seus pais. Atualmente essa base chega a 18,2 milhões de animais com DEPs avaliadas, segundo a ABCZ. Entre essas DEPs estão às de marmoreio. Só que a acurácia – que pode ser lida como precisão, exatidão ou confiabilidade dessa informação – chega a apenas 37%, segundo Lima.
Isso significa que a cada 100 animais, filhos ou filhas de touros e vacas com DEP para o alto marmoreio, 37 devem nascer com essa característica. Já a grande maioria, os 63 restantes, é uma incógnita mais pendendo para o não. Com o trabalho a Earth Biome, a acurácia para o marmoreio chega a 80% ou até mais.
“O que que estamos esperando hoje? Resultados acima de 85%”, diz Lima.
Esse trabalho também será acompanhado de uma avaliação das condições do meio em que vive o animal, porque o ambiente é fundamental para a expressão efetiva dos genes. “No caso do marmoreio, por exemplo, o tipo de alimentação influencia muito no resultado”, diz Lima. “Temos de padronizar e testar com a mesma nutrição. Não adianta ter a genética e não ter o meio. Se não tem o alimento correto, o marmoreio não aparece, mesmo que a genética esteja presente”.
A estratégia financeira
A Agro Maripá vê o projeto como uma vantagem competitiva para a venda de genética assertiva (sêmen e touros). O objetivo é garantir que os 400 touros vendidos por ano gerem descendentes com marmoreio.
A Agro Maripá já tem 52% de machos com marmoreio acima de 3, um avanço de 15% desde 2017. O foco é elevar o marmoreio do nelore (que tem mais sabor que o gado europeu) para o nível de 4,5 (já alcançado por uma novilha da fazenda) e, ousadamente, até atingir o nível dez. O Brasil não possui ainda uma escala oficial de marmoreio, como a Escala USDA (Marbling Score), ou a Escala BMS (Beef Marbling Standard – Japão), mas o programas de melhoramento tem usado o índice genético (DEP de marmoreio) ou percentual de gordura intramuscular (2% a 12%)
Segundo Oliveira, o trabalho da Agro-Maripá pretende também estender o trabalho genômico para a saúde do animal (com a identificação de mais de 100 genes) e à funcionalidade (longevidade, adaptação ao meio e sustentação da carcaça). “Queremos ir muito além, por isso estamos apoiados na pesquisa genômica da Earth Biome”, diz Oliveira.
Fonte: Forbes Pecuária



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