Proteja as suas vacas recém-paridas!

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O período de transição, compreendido entre três semanas antes e quatro semanas após o parto, é amplamente reconhecido como a fase mais crítica do ciclo produtivo das vacas leiteiras. Nesse intervalo, os animais passam por intensas alterações metabólicas, desencadeadas por mudanças hormonais e pela redistribuição de nutrientes como resposta às exigências do final da gestação e início da próxima lactação. Há ainda uma adaptação do metabolismo animal ao balanço energético negativo, resultante do rápido aumento da produção de leite e demanda nutricional em contraste à limitada ingestão de alimentos no pós-parto. A ingestão de matéria seca pode reduzir em até 40% no período de transição ao mesmo tempo em que a demanda por aminoácidos e glicose pode aumentar em até duas e três vezes, respectivamente (Mezzeti et al., 2021). Como consequência, a vaca pode perder, em média, 12 kg de tecido muscular e 47 kg de gordura devido à mobilização das reservas corporais (Komaragiri et al., 1998). 

Além dos desafios metabólicos, as vacas nesse período enfrentam um estado de imunossupressão transitória, que reduz a eficiência do sistema imune e favorece a ocorrência de processos inflamatórios sistêmicos. Essa condição aumenta a suscetibilidade a doenças infecciosas e metabólicas, sobretudo nas primeiras semanas pós-parto, resultando em impactos diretos sobre o desempenho produtivo e reprodutivo.

Stevenson et al. (2020) demonstraram que vacas que apresentaram alguma desordem no pós-parto, como — mastite, metrite, cetose, hipocalcemia, distúrbios digestivos, complicações no parto ou lesões nos cascos — produziram, em média, 2 kg de leite a menos por dia nas primeiras 14 semanas de lactação, em comparação a vacas sadias. No mesmo estudo, observou-se ainda que as vacas sadias apresentaram uma probabilidade de 2 a 6 vezes maior de ovulação precoce em relação às vacas diagnosticadas com metrite, distúrbios digestivos ou cetose.

Diante desses riscos, é fundamental a adoção de indicadores que possibilitem avaliar o manejo e identificar precocemente as vacas em risco, motivando intervenções antes da manifestação clínica dessas doenças. Nesse sentido, a utilização de medidas tomadas no leite tem se apresentado como uma opção vantajosa, dado que é uma coleta não invasiva, que faz parte da rotina das fazendas e que reflete alterações metabólicas acumuladas ao longo de um período mais extenso, oferecendo, portanto, uma visão mais integrada do estado fisiológico da vaca. 

Controle da mastite no pós-parto


Particularmente em relação à mastite, a contagem de células somáticas (CCS) associada à análise de amostras de leite por PCR para a detecção de bactérias causadoras de mastite representa uma ferramenta estratégica para o monitoramento e proteção das vacas recém-paridas. Visando apoiar produtores e técnicos nesse processo, a Clínica do Leite estruturou um protocolo que, integrando os resultados de CCS e PCR, possibilita identificar precocemente os animais infectados e direcionar medidas de manejo adequadas, reduzindo assim a taxa de novas infecções (Figura 1). 

Nesse protocolo, as vacas recém-paridas (com menos de 45 dias em lactação – DEL) são analisadas por PCR para identificar infecções causadas por agentes contagiosos, como Staphylococcus aureus, Mycoplasma bovis e Streptococcus agalactiae. Dependendo do número de vacas nesse estágio da lactação, a triagem pode ser realizada por meio da análise de amostras em pool ou individualmente. As vacas que tiverem resultado positivo para um ou mais agentes contagiosos são transferidas ao lote preto, sendo elegíveis de descarte ao final da lactação. Já as vacas negativas para esses agentes permanecem no lote verde, junto às vacas sadias. 

Todo o rebanho segue sendo monitorado mensalmente pela CCS e vacas que apresentem a CCS maior do que 200 mil células/ml por dois meses consecutivos são transferidas ao lote vermelho, sendo tratadas somente ao final da lactação, na secagem. Esse cuidado também objetiva a proteção das vacas recém-paridas: mastites crônicas têm maior chance de terem agentes contagiosos como causa. O isolamento dos casos crônicos visa, portanto, quebrar a cadeia de transmissão, mantendo as vacas mais seguras no pós-parto. 

Figura 1. Protocolo de controle de agentes contagiosos no pós-parto, desenvolvido pela Clínica do Leite (Fonte: Clínica do Leite, 2025. Disponível aqui). 

A linha de ordenha deve então começar pelo lote verde (vacas sadias), continuar com o lote cinza (vacas recém-paridas ainda sem resultado de PCR), depois o lote vermelho e, por fim, o lote preto. As vacas recém-paridas são, portanto, rapidamente separadas das vacas infectadas, reduzindo o risco de novas infecções justamente no período de maior vulnerabilidade — o que favorece a saúde do úbere e permite que a vaca expresse todo o seu potencial de produção ao longo da lactação.

Monitoramento e entendimento do problema

Como resultado de um manejo adequado na secagem, espera-se que as vacas que chegam a essa fase sadias (com CCS < 200 mil células/ml) permaneçam sadias, apresentando no pós-parto CCS < 200 mil células/ml e PCR negativo. Da mesma forma, busca-se que as vacas infectadas (com CCS > 200 mil células/ml) sejam curadas durante o período seco e iniciem a próxima lactação com CCS baixa e PCR negativo. Considera-se a secagem eficiente quando, no pós-parto, mais de 70% das vacas estão sadias e mais de 10% foram curadas. Valores menores do que esses referenciais indicam falhas no processo, exigindo uma investigação detalhada para identificar as causas-raízes e implementar ações corretivas que sustentem a melhoria contínua. 

A eficiência da secagem pode ser acompanhada visualmente ao comparar o escore linear (EL) das vacas recém-paridas no momento da secagem com o EL no pós-parto (Figura 2). O EL é derivado do logaritmo da contagem de células somáticas (CCS); o limiar de 200.000 células/mL corresponde a EL = 4. No gráfico, classificam-se as vacas em:

  • Vacas sadias: vacas que secaram sadias e assim permanecem no pós-parto, isto é, com EL na secagem e no pós-parto < 4;

  • Vacas curadas: Vacas que secaram infectadas e se curaram no período, isto é, com EL na secagem > 4 e EL no pós-parto < 4;

  • Vacas crônicas: Vacas que secaram infectadas e assim permanecem no pós-parto (EL na secagem e no pós-parto > 4);

  • Vacas novas: Vacas que se infectaram durante o período seco ou ao início da lactação (EL na secagem < 4 e EL no pós-parto > 4). 

Essas informações possibilitam identificar se há falhas no tratamento de secagem, se as infecções estão ocorrendo no período seco ou ao início da lactação (Figura 2). Combinadas à identificação do agente causal por PCR, permitem compreender melhor a dinâmica das infecções no pré e pós-parto e direcionar ações corretivas às suas causas-raízes.

Figura 2. Relatório da dinâmica da infecção no período seco. Apresenta a comparação do escore linear (EL), obtido a partir da contagem de células somáticas, na secagem e no pós-parto. (Fonte: RebStat – Relatórios Avançados da Clínica do Leite, 2025).

Investir (pouco) e evitar grandes perdas

Além de ser de fácil aplicação, o custo requerido para a adoção desse protocolo na rotina da fazenda é baixo, principalmente se comparado às perdas ocasionadas pela mastite. Considerando um rebanho de 100 vacas com prevalência de 30%, o investimento equivale a apenas R$ 0,53 por vaca/dia (Figura 3). Em contrapartida, a perda econômica ocasionada pela mastite no rebanho é de cerca R$ 3,00 por vaca/dia (Figura 4). Isto significa que com um investimento de menos de um copo de leite (200 ml) por vaca ao dia, é possível evitar prejuízos muito maiores relacionados ao descarte precoce, tratamentos e queda na produção causadas pela mastite. 

Figura 3. Estimativa do custo de aplicação do protocolo de controle de agentes contagiosos no pós-parto (Fonte: Clínica do Leite, 2025. Disponível aqui). 

Figura 4. Estimativa do custo anual de uma fazenda devido à mastite (Fonte: RebStat - Simulador de custos e impacto financeiro da mastite, Clínica do Leite, 2025). 

Transição segura, futuro produtivo

O período de transição é a fase mais crítica e determinante para a saúde e a produtividade das vacas leiteiras. É nesse intervalo que se concentram os maiores riscos de doenças metabólicas e infecciosas, mas também é quando intervenções estratégicas podem trazer os maiores ganhos. A adoção de protocolos estruturados, aliados ao uso de indicadores, permite acompanhar de perto a adaptação das vacas, antecipar problemas e direcionar medidas corretivas de forma mais assertiva. Trata-se de proteger a vaca recém-parida em um momento decisivo de sua lactação, garantindo não apenas saúde e bem-estar, mas também a produtividade sustentável para todo o rebanho a longo prazo.

Fonte: MilkPoint e Clínica do Leite

 

13/10/2025

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