Qualidade do leite: do úbere ao tanque

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Produzir leite de qualidade não é apenas uma exigência da indústria, mas o caminho para agregar valor ao produto e garantir melhor remuneração. Cada detalhe, da saúde da vaca ao resfriamento adequado no tanque, influencia diretamente o resultado. A pergunta é: como assegurar que o leite chegue ao tanque com a qualidade que ele merece? A resposta está em monitoramento, prevenção e higiene.


O que acontece com o leite quando a vaca tem mastite?

A mastite é a principal enfermidade causadora de prejuízos na pecuária leiteira. Trata-se de uma inflamação da glândula mamária provocada por bactérias, que altera significativamente a composição do leite.

A Contagem de Células Somáticas (CCS) funciona como um “termômetro” da saúde do úbere. Quando está elevada, indica presença de mastite no rebanho. O problema é que, mesmo que a quantidade total de proteína se mantenha aparentemente estável, sua qualidade se altera. 

Pesquisas demonstram que o aumento da CCS reduz de forma significativa os níveis de caseína, a proteína mais valorizada pela indústria, enquanto proteínas do sangue passam para o leite. Ao mesmo tempo em que a enzima plasmina acelera sua degradação, comprometendo ainda mais o produto. Assim, embora o leite continue contendo proteína, não é a proteína que interessa para a fabricação de derivados.

Na prática, isso significa:

  • Menor rendimento na indústria;
  • Dificuldades na fabricação de queijos;
  • Desenvolvimento de sabor amargo;
  • Redução da vida de prateleira.


A mastite também compromete a gordura do leite, tanto em quantidade quanto em qualidade. A produção de gordura é reduzida, e os glóbulos podem ser atacados pelas células de defesa da vaca, resultando em oxidação e sabor rançoso.

Outro ponto crítico é que, mesmo após a cura clínica da mastite e normalização da CCS, a qualidade do leite pode permanecer comprometida por certo período, devido à atividade residual de enzimas que degradam proteínas.

Ordenha: onde tudo acontece

A preparação do úbere para a ordenha é decisiva para prevenir infecções. Quanto menor a carga bacteriana na superfície dos tetos no momento da ordenha, menor o risco de novas mastites.

Passos fundamentais da rotina:

  • Lavar os tetos somente em casos de sujeira excessiva (lama, barro ou esterco).
  • Realizar o pré-dipping com desinfetante apropriado, respeitando o tempo de ação.
  • Secar com papel toalha descartável — uma folha por vaca.
  • Fazer o teste da caneca de fundo preto para detectar mastite clínica.
  • Aplicar o pós-dipping imediatamente após a ordenha, protegendo os tetos contra novas infecções.

Além disso, uma rotina de ordenha consistente reduz riscos e garante leite limpo. Entre os cuidados indispensáveis estão: condução calma das vacas, ajuste correto das teteiras, prevenção da sobre-ordenha e retirada cuidadosa do equipamento.

Higienização de equipamentos

A ordenhadeira, quando mal higienizada ou mal regulada, torna-se uma fonte de contaminação e até mesmo de mastite. Por isso, além da limpeza diária, é necessária manutenção periódica para checar nível de vácuo, condições das borrachas, pulsadores e funcionamento geral.

A limpeza eficiente depende de seis fatores como o tempo de contato adequado do produto com a sujidade da ordenha, temperatura e volume correto da água, concentração adequada de detergente, turbulência para a remoção dos resíduos além da drenagem completa das tubulações após a lavagem. 

Iniciar a limpeza imediatamente após a ordenha é essencial, já que, quando o leite esfria, a gordura adere às paredes dos equipamentos, dificultando a higienização.

Contagem Bacteriana Total (CBT)

A CBT é o principal indicador de higiene do leite, mostrando o número de bactérias presentes. Altos valores geralmente decorrem de falhas de limpeza, refrigeração inadequada ou demora na coleta.

Outros parâmetros importantes incluem:

  • Contagem de Psicrotróficos (CIP): indica falhas no resfriamento.
  • Contagem de Termodúricos (CLP): revela limpeza ineficiente dos equipamentos.
  • Contagem de Coliformes (CC): aponta contaminação fecal.

Boas práticas de ordenha, refrigeração imediata e uso de água de qualidade são fundamentais para manter baixos índices bacterianos.

Resfriamento: a corrida contra as bactérias


O leite sai da vaca a aproximadamente 35°C, temperatura ideal para a multiplicação bacteriana. Por isso, é imprescindível resfriá-lo rapidamente a cerca de 4°C em até 2 horas após a ordenha (SANTOS, 2007).

Mesmo refrigerado, o armazenamento prolongado favorece o crescimento de bactérias psicrotróficas, reduzindo a vida de prateleira dos produtos derivados (SANTOS, 2008).

No Brasil, ainda existem gargalos: entre 15% e 20% das amostras apresentam CBT acima de 1.000.000 UFC/mL, e menos de 25% dos produtores recebem assistência técnica regular. Além disso, a descontinuidade nas rotinas, como a interrupção do pós-dipping, pode elevar a CCS em cerca de 60.000 células/mL.

A consistência nas práticas é determinante para manter a qualidade.

Checklist diário

  • Antes da ordenha: preparar água potável, soluções de pré e pós-dipping, papel toalha e caneca de fundo preto.
  • Durante a ordenha: conduzir vacas com calma, realizar pré e pós-dipping corretamente, evitar sobre-ordenha e entrada de ar nas teteiras.
  • Após a ordenha: resfriar imediatamente, higienizar equipamentos e revisar seu funcionamento.
  • Após a coleta: lavar o tanque, verificar termômetro e isolamento térmico.

Produzir leite de qualidade não é questão de sorte, mas de disciplina e consistência. Cada etapa correta representa menos descarte, maior valorização pela indústria e redução de gastos com tratamentos. Pequenas melhorias aplicadas de forma contínua resultam em grandes ganhos no longo prazo.

03/10/2025

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