Muitos “copeiros” (pessoas que participam das várias Convenção das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima - COP) dizem: "as COPs nunca entregam o que a maioria da população mundial gostaria, mas sem elas, estaríamos numa situação climática pior."
Importante ressaltar que as COPs não entregam todos resultados esperados e necessários porque uma minoria, representada pela indústria de combustíveis fosseis e países produtores de petróleo (petroestados), carvão e gás, sempre estão nas COPs com um único objetivo: sabotá-las.
Na COP30 ou COP de Belém, a primeira realizada no Brasil e na floresta amazônica, não foi diferente. Mais de 1.600 lobistas do petróleo estiveram presentes, número somente menor do que o da delegação brasileira.
Se já não bastasse a indústria fóssil para atrapalhar, um outro aspecto tem dificultado avanços climáticos. A desinformação promovida por alguns governos, instituições, setores empresariais e indivíduos.
Em 2022, o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas – IPCC - concluiu que a desinformação e a politização da ciência por parte de interesses obscuros semeou incertezas e impediu o reconhecimento dos riscos das mudanças climáticas. Por isso, pesquisas mostram que uma parte significativa da população continua a duvidar da realidade e da importância das mudanças climáticas. O Fórum Econômico Mundial concluiu que a desinformação é agora um dos principais riscos globais. Na COP de Belém um dos temas centrais foi o combate a desinformação.
E aqui alguns indivíduos e setores do agro brasileiro tem que dar a mão à palmatória, pois ainda negam as mudanças climáticas e o aquecimento global. Dão ouvidos a indivíduos, que sem base cientifica alguma, fazem afirmações absurdas.
Infelizmente, alguns preferem aprender pela dor. A dor de perder lavouras inteiras por secas nunca vistas ou chuvas torrenciais. A dor de ver animais vindo a óbito por eventos climáticos extremos.
Mas passada mais uma COP, como suas conclusões e encaminhamentos podem afetar o dia-a-dia da produção leiteira?
Algo inovador nesta COP foi que sua Presidência institui um Conselho Científico, formado por pesquisadores(as) brasileiros e internacionais, para assessorá-la durante os trabalhos. Foi a ciência que nos mostrou que o planeta estava aquecendo como resultado das ações humanas. É a ciência que pode apontar os caminhos para continuarmos a viver neste planeta. E o que a ciência nos diz? Infelizmente, coisas não muito boas, pois governos e sociedades não fizeram toda lição de casa que deveriam, apesar das várias COPs e da Assinatura do Acordo de Paris.
Segundo os cientistas, o planeta deve alcançar em 2025 um recorde de emissão de gases de efeito estufa. O ano pode fechar como o segundo ou terceiro ano mais quente do registro histórico. Os sumidouros terrestres, principalmente oceanos e florestas, só absorvem em torno de 50% a 55% dos gases do efeito estufa que a humanidade emite. O saldo, portanto, sempre fica acima do que a natureza é capaz de remover.
Os cientistas concluíram ao final da COP30 que precisamos ver as emissões globais começarem a cair a partir de 2026 e passar de um cenário de aumento das emissões para um de reduções de 5% ao ano.
Por fim, os estudos indicam que o limite de 1,5 °C de aquecimento será atingido nos próximos cinco a dez anos. Este limite é um nível muito sério de aumento da temperatura global além do qual se tem ampla evidência de que os seres vivos em todo o mundo sofrerão com a sequência de eventos extremos e também se corre o risco de nos aproximarmos de pontos de mudanças irreversíveis no funcionamento do sistema terrestre.
O que significa 1,5 °C acima da média para nossa agricultura e pecuária?
Lembrando que cada aumento de 0,1 °C no aquecimento global resulta em impactos e riscos elevados, incluindo ondas de calor mais longas e mortais, incêndios florestais mais frequentes e intensos e tempestades e precipitações extremas.
O relatório Perspectivas Globais da Seca da OCDE revela a dimensão do problema: 40% da superfície terrestre do planeta tem sofrido períodos de seca mais frequentes e intensos nas últimas décadas. O desmatamento, a superexploração das águas subterrâneas e a impermeabilização do solo também contribuem para esta tendência. Em conjunto, todas estas pressões fazem com que as secas comecem mais cedo, durem mais tempo e sejam mais severas.
A produção agrícola pode diminuir até 22% durante os anos mais secos, enquanto secas prolongadas podem reduzir as colheitas de soja e milho em 10%. Sem uma ação decisiva, as perdas globais devido às secas poderão mais do que duplicar na próxima década.
Qual o impacto do 1,5 °C na demanda de água nas fazendas leiteiras, na necessidade de irrigação, na saúde das pessoas e dos animais? Colaboradores conseguirão trabalhar a céu aberto em temperaturas de 40 a 45 °C? E os animais, produzirão a mesmo nível de leite nestas condições? Sabemos que não!
A exposição prolongada de trabalhadores(as) aumenta o risco destes a sobrecarga térmica, levando à redução da capacidade de trabalho, queda na produtividade e maior probabilidade de erros operacionais. O estresse térmico compromete a termorregulação, favorecendo a desidratação, distúrbios eletrolíticos e alterações cardiovasculares. Em condições mais severas, podem ocorrer exaustão pelo calor e insolação, com potencial risco de morte. Além disso, a exposição crônica ao calor está associada a agravos renais. (Kjellstrom et al., 2016; Lucas et al., 2014; Flouris et al., 2018; Parsons, 2014).
O aumento da temperatura ambiente eleva a carga térmica sobre os animais, resultando em redução significativa no consumo de matéria seca. O estresse térmico também compromete a eficiência metabólica, altera a função endócrina e reduz a atividade ruminal, afetando diretamente o desempenho produtivo.
Além disso, há impactos negativos sobre a fertilidade, incluindo redução da taxa de concepção e aumento da mortalidade embrionária. A exposição prolongada ao calor intensifica processos inflamatórios e aumenta a susceptibilidade a doenças (West, 2003; Bernabucci et al., 2014; Collier et al., 2017; Sejian et al., 2018).
Adaptação as mudanças climáticas foi outro tema central da COP30. Adaptação é conseguir viver com o problema já estabelecido. Existem muitas práticas adaptativas que os produtores(as) podem implementar para estarem mais preparados para os impactos dos eventos climáticos extremos. Neste artigo listamos uma série de práticas e tecnologias que podem ser utilizadas para adaptação às mudanças climáticas.
Uma adaptação que muitos produtores(as) já fazem a alguns anos é a utilização das águas subterrâneas. Cada vez mais, estas são a principal fonte de água nas fazendas leiteiras.
Produtores(as) buscam estas fontes porque, ao longo dos anos, têm visto as fontes superficiais (rios, nascentes, açudes, etc.) diminuírem sua vazão ou até secarem. As águas subterrâneas serão essenciais para manter a segurança hídrica das propriedades, principalmente, em locais com padrões de chuva irregulares.
O relatório Future Earth, da Earth League e do Programa Mundial de Pesquisa Climática indica, quanto a disponibilidade das águas subterrâneas:
- O aumento da captação das água subterrâneas sem controle e a baixa eficiência de uso, não é uma estratégia de adaptação sustentável;
- A disponibilidade das águas subterrâneas é sensível ao clima e as mudanças climáticas estão perturbando cada vez mais os regimes hidrológicos, desestabilizando a recarga dos aquíferos;
- Eventos de secas diminuem as taxas de recarga das fontes subterrâneas e as chuvas intensas, muitas vezes não conseguem infiltrar, devido à compactação do solo ou ao rápido escoamento superficial.
O manejo hídrico da propriedade leiteira deve ser parte do dia a dia da atividade, não só para se produzir o mesmo litro de leite com menos litros de água. Mas também para tornar o sistema de produção mais adaptado aos impactos das mudanças climáticas. Caso contrário, a falta de água será cada vez mais uma constante na rotina produtiva.
Mas tão importante como a adaptação é a mitigação. A mitigação é a redução das emissões dos gases de efeito estufa. No dia-a-dia da atividade temos muitas opções de redução das emissões como: realizar o preciso manejo nutricional, planejar e otimizar o consumo de energia, combustíveis e fertilizantes, fazer o correto tratamento dos dejetos e seu uso como fertilizante.
Outro tema muito discutido foi o dos “financiamentos verdes” que têm a função de preservar e conservar a natureza e viabilizar as chamadas transições justas seja a energética ou outras.
Para que nossa produção leiteira seja candidata a captar estes financiamentos, muito coisa terá que mudar, principalmente, nas pequenas e médias propriedades. Quem financia quer garantias de que o financiamento trará o resultado esperado.
Então toda documentação produtiva da propriedade bem com as rotinas devem ser muito bem geridas a fim de mostrar que as práticas produtivas estão entregando o que se espera. Sabemos que é muito comum nas propriedades leiteiras não se ter informações básicas como controle do uso de fertilizantes, ingestão de alimentos por dia por categoria animal, etc. Se a produção leiteira nacional quer se tornar apta a ser um bom investimento verde, muita coisa tem que mudar!
Tema sempre presente nas COPs e que está na boca do povo é o mercado de carbono. Estaria o produtor(a) de leite apto a vender créditos de carbono para aqueles que necessitam compensar suas emissões de gases do efeito estufa? Particularmente, eu não acredito que isso irá acontecer.
A história recente mostra que a venda de créditos de carbono pela produção animal não deu certo no Brasil e em outros lugares do mundo. O mercado de carbono foi idealizado no Protocolo de Kyoto. No Brasil, a partir da assinatura do Protocolo, as agroindústrias de carne suína, juntamente com empresas que vendiam projetos de biodigestores, tentaram fazer projetos de venda de crédito de carbono a partir do tratamento dos dejetos por biodigestão anaeróbia (biodigestores). Se vendeu para os produtores que a venda de créditos de carbono poderia dar uma renda maior que a própria venda da proteína animal. Papo de vendedor!
Nenhum destes projetos deram certo e muitos produtores ficaram com dívidas, pois pelo contrato, a obrigação era pagar os investimentos no biodigestor com a venda dos créditos. Considerando que a suinocultura é uma atividade muito mais organizada que a bovinocultura de leite, difícil acreditar que os produtores de leite poderão vender créditos seja do carbono entérico, seja do carbono emitido pelos dejetos.
Há no mundo experiências de venda de créditos por produtores de leite, caso da Califórnia, mas devemos considerar que estamos falando de fazendas com escalas produtivas não vistas aqui no Brasil e, mais importante, a Califórnia instituiu um mercado voluntário de créditos, algo que no Brasil está muito longe de acontecer.
No caso de créditos gerados a partir do uso de aditivos alimentares, sabemos que o custo destes produtos é proibitivo para a realidade brasileira, então os créditos teriam que ter um alto valor para compensar este custo.
O mercado de créditos de carbono mais comum e, com casos no Brasil, são do tipo REDD (Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal). É feita a recompensa financeira a iniciativas que evitam o desmatamento, convertendo o carbono armazenado nas árvores em créditos que podem ser negociados no mercado de carbono.
Segundo os especialistas, estes projetos só são viáveis financeiramente para grandes áreas, por isso que a maioria deles está na região amazônica. Grandes áreas é algo incomum para as propriedades leiteiras.
O termo mais ouvido ao longo de toda COP30 foi Mapa do Caminho. Basicamente planejar um caminho para se chegar a um fim. No caso da COP se almejava dar início a dois mapas do caminho: o do fim do uso dos combustíveis fósseis e do desmatamento. Infelizmente, isso não foi conseguido.
Os efeitos das mudanças climáticas já estão presentes no cotidiano da atividade leiteira nas várias regiões do país. Cada produtor(a) precisa fazer seu Mapa do Caminho que inclua reduzir as emissões da atividade (mitigar), se adaptar aos eventos climáticos e, fazer o que nunca fizemos como brasileiros teimosos, sermos preventivos e não esperar para ver.
O esperar para ver pode significar ver um futuro sem esperança.
Fonte: Milkpoint











