A gastronomia da carne bovina esteve no centro dos debates desta sexta-feira, 19, durante o último dia do Conacarne, evento que reuniu especialistas em Belo Horizonte (MG). Em comum, os convidados do painel “Do pasto ao prato – a carne pela ótica do consumidor” apontaram uma mudança clara no perfil do consumidor na última década, que deixou de buscar apenas quantidade e passou a pagar mais por cortes de qualidade após conhecer cortes e técnicas de preparo diferenciados.
O fundador do Açougue e Restaurante de Betti, Rogério Betti, trouxe a visão empresarial de quem nasceu em família de açougueiros e se tornou um dos nomes mais influentes da carne premium no País. Descendente da quarta geração de açougueiros italianos, Betti recordou que, nos anos 1990, a chegada da carne ao supermercado encerrou a era da venda tradicional no açougue do bairro. Foi nessa mesma época que a família fechou o último negócio de venda de carnes. Décadas depois, foi a prática de maturar cortes em casa que reacendeu seu interesse pelo setor. Betti criou a marca que hoje atende 450 mil clientes por ano e vende 450 toneladas de carne de alta qualidade.
Ele aponta que, entre os fatores que levaram a uma revolução no consumo de carne bovina no País, com o brasileiro estando disposto a pagar mais por carnes de melhor qualidade, estão:
- A disseminação da churrasqueira na varanda dos prédios fez com que o churrasco no apartamento virasse um símbolo cultural;
- A influência das redes sociais, que deu mais acesso ao público a conteúdos sobre técnicas de preparo de churrasco, como o American Barbecue e a maturação da carne (dry age);
- O consumidor passou a valorizar não apenas a maciez da carne, mas também o sabor e a suculência.
Ainda segundo o especialista, apenas 1% da produção brasileira se enquadra na categoria de carnes premium, representando cerca de 500 mil animais por ano. Ele reconhece que esse é um produto de nicho, que cresce à medida em que a cadeia valoriza a produção com qualidade sustentável e que há espaço para crescer mais no País.
Para ele, a pecuária brasileira evolui de forma notável, mas ainda há desafios. “Ainda fazemos mal o marketing do agro. A gente deveria fazer uma comunicação diferente. Por que a gente fica da porteira pra dentro e acha que o trabalho acabou ali? Não!”, provocou.
Novas técnicas valorizaram a carne
A chef Julia Carvalho, que deixou a psicologia para se especializar em carnes e defumação, relatou a mudança prática no manuseio da proteína. Técnicas como maturação a seco, preparo a vácuo e defumação transformaram cortes antes desvalorizados, como contrafilé e acém, em protagonistas do churrasco. “A evolução da qualidade de carne e das técnicas de armazenamento, acho que todo o processo é importante. Churrasqueiro não faz milagre. Se a carne estiver horrível, a gente pode usar algumas coisas para melhorar, mas a gente precisa que todos os passos sejam feitos da melhor maneira para a gente ter o melhor produto e aplicar a melhor técnica para isso”.
Primeira sommelier de carnes do país, Larissa Morales destacou que falta informação para o consumidor final sobre a origem do produto. Ela defendeu que o brasileiro passou a buscar experiências gastronômicas diferenciadas e, uma vez educado o paladar, não retrocede. “Saber de onde vem o boi muda a percepção de sabor e valor. É um processo de revalorização da carne. Trazer essa informação para o consumidor final é relevante, porque hoje a gente compra e não sabe de onde vem, como se alimentou, onde se alimentou, de qual bioma é… Tudo isso vai influenciar nessa carne final. E a gente sente na boca.”, afirmou.
A experiência da carne bovina
Já Gustavo Bottino trouxe a experiência do barbecue norte-americano, que o inspirou a fundar, em 2011, a BOS Barbecue, em São Paulo. Cofundador da Churrascada, um dos maiores eventos de carne do país, Bottino explicou como cortes alternativos, como o brisket, triplicaram de valor ao ganharem função inédita na gastronomia premium. Para ele, eventos open food e restaurantes especializados são fundamentais para aproximar o público do que o campo e os chefs podem oferecer.
“Acho que os eventos, como a Churrascada, introduziram a ideia de aproveitamento do animal como um todo. No passado, a gente só entendia a carne de primeira como a carne de traseiro. Hoje, a gente já entende que o animal pode ser aproveitado em sua totalidade. E eu acho que o tema, que é muito importante para o produtor e para toda essa cadeia, é que, com isso, obviamente, nós todos conseguimos comandar preços também um pouco mais altos.”
Falando para um público de dois mil pecuaristas, os painelistas fizeram coro ao dizer que essa tendência de valorização da carne bovina passa também pelo trabalho árduo da ponta na pecuária. O esforço conjunto entre produtores, frigoríficos, chefs e eventos gastronômicos foi destacado como essencial para fortalecer o mercado interno e fomentar a valorização da carne brasileira, agregando valor ao produto e fidelizando o consumidor final.
Aposta em genética, padronização, acabamento do gado e investimento em produção de carnes premium foram apontados como fatores que podem ajudar o setor a alcançar novos mercados dentro e fora do País. Betti e Bottino reforçaram a necessidade de o pecuarista olhar para sua produção como uma marca. “Eu acho que esse é o desafio que vocês têm aqui como produtores, de trabalharem de uma maneira diferente. Para que sua fazenda se torne uma marca, a sua fazenda se torne uma referência de carne de qualidade e de produtividade”, orientou Betti.
*a jornalista viajou a convite da CNA
Fonte: Estadão