O Ministério da Agricultura pretende avançar no projeto de implementação de um sistema nacional de rastreabilidade individual bovina para fins de controle sanitário do rebanho ainda neste ano. Com a previsão de retirada total da vacinação contra febre aftosa em todo o país em 2026, a expectativa da Pasta é alcançar de 30% a 50% dos animais rastreados até lá.
Em discussão há décadas, a necessidade de rastreabilidade é consenso entre pecuaristas, indústria e governo, mas ainda há divergências sobre a obrigatoriedade ou não de adesão ao sistema, os prazos, os custos e a preservação de informações no processo, como das Guias de Trânsito Animal (GTA).
O tema escalou nas prioridades em Brasília após demandas oficiais de grandes importadores, como China e Rússia, para que o país adote medidas para qualificar a rastreabilidade animal.
A intenção, segundo o secretário de Defesa Agropecuária do Ministério da Agricultura, Carlos Goulart, é se antecipar a possíveis imposições no âmbito sanitário, como ocorreu na área socioambiental com a lei antidesmatamento da União Europeia, e evitar choques nas exportações de carne. A proposta prevê a adesão obrigatória dos pecuaristas, mas o item ainda está em aberto.
“O ideal é termos, pelo menos, de 30% a 50% do rebanho em algum estágio de implementação de rastreabilidade até 2026, quando devemos ser reconhecidos como livres de aftosa sem vacinação pela Organização Mundial de Saúde Animal”, disse Goulart ao Valor. O Brasil tinha mais de 234,4 milhões de cabeças de gado bovino em 2022, de acordo com o IBGE.
O projeto do ministério prevê a rastreabilidade individual a partir da primeira movimentação do bovino até o abate nos frigoríficos, sem a necessidade de registro de todos os animais no nascimento. Uma proposta já apresentada ao setor divide o país em blocos de Estados para iniciar a identificação.
O Brasil já tem um sistema de rastreabilidade individual, o Sisbov. O sistema foi criado para atender exigências da União Europeia em 2002, a partir da chamada lista Traces. O bloco passou a exigir o rastreio após a ocorrência de casos do mal da vaca louca na Europa. Por razões sanitárias, a identificação dos animais, com a aplicação de um brinco, é feita 90 dias antes do abate, sem abranger o ciclo completo de vida.
Mais de 1,2 mil fazendas estão aptas a exportar para a UE, com adesão voluntária. Em 2023, foram 4,8 milhões de animais rastreados para a Europa, todos fora das regiões Norte e Nordeste e do bioma amazônico. As exportações de gado vivo para qualquer destino contam com a identificação individual. Santa Catarina já tem um sistema próprio de monitoramento do ciclo completo do rebanho.
“A rastreabilidade está se impondo, é um processo irreversível nas nossas cadeias e que pode gerar ganhos no médio e longo prazos”, afirmou Goulart. O novo sistema deve realizar uma identificação individual básica, com leitura das movimentações de entrada e saída de animais de fazendas e frigoríficos, sem regras específicas de mercados, como o europeu.
A Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) defende adesão voluntária e prazo de oito anos para transição e implementação gradual da rastreabilidade. A entidade diz que a obrigatoriedade pode minar a possibilidade de pagamento de prêmios pela indústria aos pecuaristas, restando apenas ônus de gastos com brincos de identificação — em torno de R$ 8 por cabeça — e adaptações nas fazendas aos produtores.
“É necessário tempo para se discutir e prazo adequado para implementação para que não se coloque os produtores na ilegalidade”, disse o coordenador de Produção Animal da CNA, João Paulo Franco.
Ele ressalta a preocupação com os pequenos criadores, sugere alternativas para a identificação dos bois, como o uso de biometria facial bovina, e defende a necessidade de incentivos para a adesão dos produtores, com subvenção na compra de materiais ou isenção na emissão de GTAs.
O foco da SDA é a saúde animal, sem vínculo com o atendimento aos critérios socioambientais, alvo de proposta de outra área do ministério. O objetivo aqui é cumprir requisitos sanitários de países importadores e facilitar o acesso a mercados mais exigentes ainda fechados à carne brasileira, como Japão e Coreia do Sul.
“Nas discussões técnicas, o item de rastreabilidade tem alto valor de garantia dos nossos controles sanitários. Quanto mais qualificarmos a nossa rastreabilidade, melhor é a credibilidade do serviço sanitário, o que se reverte em acesso mais rápido a alguns mercados e manutenção de parceiros”, afirmou Carlos Goulart.
“[A rastreabilidade] é um diferencial de outros grandes exportadores, como Uruguai, Austrália e Estados Unidos, usado como ferramenta muito forte de negociação e promoção comercial”, disse Fernando Sampaio, diretor de Sustentabilidade da Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carnes (Abiec). A entidade defende o rastreio obrigatório, mas concorda com o aprofundamento dos debates sobre incentivos.
Foto: Marcus Mesquita/Divulgação
Fonte: Globo Rural